Aprender a Missão com S. Paulo
A actividade missionária de Paulo não se reduziu às 3 viagens descritas nos Actos dos Apóstolos. Na sua Carta aos Gálatas, Paulo conta como, a seguir à sua vocação a caminho de Damasco, partiu para a Arábia, onde esteve cerca de 2 anos, regressando depois a Damasco. Mas, em ambos os lugares, o êxito falhou: fugiu da Arábia e até em Damasco o perseguiram.
Estas tribulações foram as primeiras de uma série inumerável, sendo a descrição mais completa a que aparece em 2Cor 11,16-33, que é conhecida como o discurso dos loucos, pois é o próprio Apóstolo que assim o classifica: uma loucura.
A loucura ou insensatez de que Paulo fala manifesta-se no próprio motivo que o leva a escrever: para a comunidade que o rejeita e o volte a aceitar, tendo que fazer o mesmo jogo daqueles que dela o afastaram. São missionários cristãos a quem Paulo, com um certo sarcasmo, chama super apóstolos, talvez por se apresentarem com sinais, prodígios, milagres, sinais distintivos do que para eles seria o verdadeiro Apóstolo. Mas, com isso, para Paulo, esses missionários estão a gloriar-se segundo a carne, centrados em si próprios, escravos do seu egoísmo. Uma loucura, porque quem se gloria deve gloriar-se no Senhor.
Este egocentrismo pode mesmo levar à escravização e exploração dos outros e é disso que Paulo acusa os concorrentes no seu relacionamento com os cristãos de Corinto. Estes, apesar de se terem por espertos, aceitam-nos, o que é uma verdadeira loucura, mas que Paulo tem de assumir para se poder confrontar com esses sedutores, já que a comunidade e o Evangelho são-lhe muito preciosos.
Os adversários assentam a sua legitimidade apostólica na origem judaica e na condição de diáconos de Cristo. Paulo iguala a primeira condição e ultrapassa-os na segunda. Vejamos o significado do termo diácono: era um título originariamente dado a quem recebia a missão de fazer a ligação entre 2 ou mais pessoas - a pessoa que o convida e envia e aquelas a quem é enviado. O mesmo acontecia com S. Paulo. Fundamental era uma total sujeição, sobretudo à pessoa que envia, de tal modo que esta se torna presente e actuante no seu diácono ou apóstolo. No caso presente é Cristo. Mas que Cristo? Para os adversários de Paulo era um Messias glorioso, antes de ter sido morto, o que para Paulo é uma visão parcial: para a glória que alcançou, Cristo teve de passar pela fraqueza e ignomínia da cruz. O Ressuscitado é o Crucificado que na morte nos amou e se entregou por nós. Os sinais do verdadeiro diácono de Cristo são, pois, uma série de acontecimentos e situações de fraqueza e debilidade, lutas e privações.
Um ano a caminhar com São Paulo: "Pedro retirava-se e separava-se, com medo..."
Com o acordo sobre a circuncisão, alcançado na reunião apostólica de Jerusalém, ficou resolvida a questão da unidade entre as diferentes comunidades cristãs. Mas outro problema surgiu devido ao mesmo acordo: a unidade no interior das comunidades, entre os cristãos de origem judaica e os de origem pagã, não circuncidados. Deviam ou não respeitar as normas judaicas, sobretudo as de carácter ritual? Novamente surgiu a questão em Antioquia, gerando um conflito que dividiu a comunidade e as figuras de topo: Paulo e Pedro.
O incidente só é contado por Paulo em Gl 2,11-14, logo a seguir à exposição da reunião apostólica de Jerusalém, o que mostra a ligação entre os dois acontecimentos.
O incidente decorreu em 3 fases:
• até à chegada das pessoas da parte de Tiago. Até então, Pedro (ou Cefas, em aramaico) tomava parte nas refeições comunitárias, com cristãos oriundos do Judaísmo e do Paganismo, talvez remontando este hábito à fundação da comunidade e confirmado, indirectamente, pela decisão da reunião apostólica de Jerusalém. Essas refeições incluíam a celebração da Eucaristia. A comunidade, fundada cerca de 15 anos antes, numa cidade de grandes dimensões (a 3ª maior do mundo de então), devia ter um número alto de membros e celebrar-se-ia em várias casas. De vez em quando, toda a comunidade se juntava para celebrações da Palavra, catequese, etc. Terá sido numa dessas assembleias gerais que se deu a intervenção de Paulo, referida mais à frente.
• a mudança, após a chegada de pessoas da parte de Tiago (o irmão do Senhor, Gl 1,19), que estava à frente da comunidade de Jerusalém, desde que Pedro a deixara. Também ele concordara com a decisão apostólica de libertar da circuncisão os cristãos convertidos ao paganismo. A razão que o levou, através de delegados, a intervir em Antioquia era que para ele, os judeo-cristãos continuavam judeus e, como tal, deviam cumprir as normas judaicas sobre a alimentação: entre elas, a proibição de tomar refeições com não-judeus, caso contrário, contrairiam a impureza ritual, que os impedia de tomar parte noutros actos de culto. Tratava-se de salvaguardar a identidade do Cristianismo, na sua ligação histórica ao Judaísmo, respeitando as linhas que o separavam do paganismo. Assim faziam os cristãos de Jerusalém e Pedro também o devia fazer, sobretudo devido ao seu lugar na Igreja e ao facto de , segundo o acordo apostólico de Jerusalém, o seu campo de missão serem os cricuncisos. A isso juntava-se o medo dos partidários da circuncisão, talvez os judeus de Jerusalém que, com as suas autoridades, perseguiam os cristãos (1Ts 2,14) e vão mesmo matar Tiago, no ano 62. Daí Pedro ter cedido, bem como os restantes judeo-cristãos, incluindo Barnabé, companheiro missionário de Paulo. Assim, a comunidade ficou dividida, precisamente naquilo que mais a devia unir: a Eucaristia. Daí Paulo ter reagido tão duramente.
• a reacção de Paulo está expressa nas palavras que, em assembleia plenária, dirigiu a Pedro: ao retirar-se e separar-se das celebrações eucarísticas com cristãos não judeus, Pedro estava, na prática, a obrigá-los a submeterem-se às normas das quais o Evangelho os libertara.
Paulo não deve ter convencido a comunidade, senão di-lo-ia. Provavelmente, a cisão tornou-se insustentável, sobretudo por incidir sobre a Eucaristia, o sacramento por excelência da unidade. Daí as decisões adoptadas pelos cristãos não judeus (Act 15,29) na reunião apostólica de Jerusalém: abster-se dos ídolos (de refeições culturais pagãs e de carnes de animais nelas abatidos), do consumo de sangue, dos sufocados (carnes não sangradas) e da fornicação (casamentos entre familiares). Eram os preceitos de Noé (com base em Gn 9,4), considerados válidos para todos e impostas aos estrangeiros residentes na Palestina, para aí poderem conviver com os judeus.
Quanto a Paulo, separado de Pedro e Barnabé, pelo menos temporariamente (1Cor 9,5), partiu com Silas para uma maior expansão do Evangelho entre os gentios. Há males que vêm por bem...
Estas tribulações foram as primeiras de uma série inumerável, sendo a descrição mais completa a que aparece em 2Cor 11,16-33, que é conhecida como o discurso dos loucos, pois é o próprio Apóstolo que assim o classifica: uma loucura.
A loucura ou insensatez de que Paulo fala manifesta-se no próprio motivo que o leva a escrever: para a comunidade que o rejeita e o volte a aceitar, tendo que fazer o mesmo jogo daqueles que dela o afastaram. São missionários cristãos a quem Paulo, com um certo sarcasmo, chama super apóstolos, talvez por se apresentarem com sinais, prodígios, milagres, sinais distintivos do que para eles seria o verdadeiro Apóstolo. Mas, com isso, para Paulo, esses missionários estão a gloriar-se segundo a carne, centrados em si próprios, escravos do seu egoísmo. Uma loucura, porque quem se gloria deve gloriar-se no Senhor.
Este egocentrismo pode mesmo levar à escravização e exploração dos outros e é disso que Paulo acusa os concorrentes no seu relacionamento com os cristãos de Corinto. Estes, apesar de se terem por espertos, aceitam-nos, o que é uma verdadeira loucura, mas que Paulo tem de assumir para se poder confrontar com esses sedutores, já que a comunidade e o Evangelho são-lhe muito preciosos.
Os adversários assentam a sua legitimidade apostólica na origem judaica e na condição de diáconos de Cristo. Paulo iguala a primeira condição e ultrapassa-os na segunda. Vejamos o significado do termo diácono: era um título originariamente dado a quem recebia a missão de fazer a ligação entre 2 ou mais pessoas - a pessoa que o convida e envia e aquelas a quem é enviado. O mesmo acontecia com S. Paulo. Fundamental era uma total sujeição, sobretudo à pessoa que envia, de tal modo que esta se torna presente e actuante no seu diácono ou apóstolo. No caso presente é Cristo. Mas que Cristo? Para os adversários de Paulo era um Messias glorioso, antes de ter sido morto, o que para Paulo é uma visão parcial: para a glória que alcançou, Cristo teve de passar pela fraqueza e ignomínia da cruz. O Ressuscitado é o Crucificado que na morte nos amou e se entregou por nós. Os sinais do verdadeiro diácono de Cristo são, pois, uma série de acontecimentos e situações de fraqueza e debilidade, lutas e privações.
Um ano a caminhar com São Paulo: "Pedro retirava-se e separava-se, com medo..."
Com o acordo sobre a circuncisão, alcançado na reunião apostólica de Jerusalém, ficou resolvida a questão da unidade entre as diferentes comunidades cristãs. Mas outro problema surgiu devido ao mesmo acordo: a unidade no interior das comunidades, entre os cristãos de origem judaica e os de origem pagã, não circuncidados. Deviam ou não respeitar as normas judaicas, sobretudo as de carácter ritual? Novamente surgiu a questão em Antioquia, gerando um conflito que dividiu a comunidade e as figuras de topo: Paulo e Pedro.
O incidente só é contado por Paulo em Gl 2,11-14, logo a seguir à exposição da reunião apostólica de Jerusalém, o que mostra a ligação entre os dois acontecimentos.
O incidente decorreu em 3 fases:
• até à chegada das pessoas da parte de Tiago. Até então, Pedro (ou Cefas, em aramaico) tomava parte nas refeições comunitárias, com cristãos oriundos do Judaísmo e do Paganismo, talvez remontando este hábito à fundação da comunidade e confirmado, indirectamente, pela decisão da reunião apostólica de Jerusalém. Essas refeições incluíam a celebração da Eucaristia. A comunidade, fundada cerca de 15 anos antes, numa cidade de grandes dimensões (a 3ª maior do mundo de então), devia ter um número alto de membros e celebrar-se-ia em várias casas. De vez em quando, toda a comunidade se juntava para celebrações da Palavra, catequese, etc. Terá sido numa dessas assembleias gerais que se deu a intervenção de Paulo, referida mais à frente.
• a mudança, após a chegada de pessoas da parte de Tiago (o irmão do Senhor, Gl 1,19), que estava à frente da comunidade de Jerusalém, desde que Pedro a deixara. Também ele concordara com a decisão apostólica de libertar da circuncisão os cristãos convertidos ao paganismo. A razão que o levou, através de delegados, a intervir em Antioquia era que para ele, os judeo-cristãos continuavam judeus e, como tal, deviam cumprir as normas judaicas sobre a alimentação: entre elas, a proibição de tomar refeições com não-judeus, caso contrário, contrairiam a impureza ritual, que os impedia de tomar parte noutros actos de culto. Tratava-se de salvaguardar a identidade do Cristianismo, na sua ligação histórica ao Judaísmo, respeitando as linhas que o separavam do paganismo. Assim faziam os cristãos de Jerusalém e Pedro também o devia fazer, sobretudo devido ao seu lugar na Igreja e ao facto de , segundo o acordo apostólico de Jerusalém, o seu campo de missão serem os cricuncisos. A isso juntava-se o medo dos partidários da circuncisão, talvez os judeus de Jerusalém que, com as suas autoridades, perseguiam os cristãos (1Ts 2,14) e vão mesmo matar Tiago, no ano 62. Daí Pedro ter cedido, bem como os restantes judeo-cristãos, incluindo Barnabé, companheiro missionário de Paulo. Assim, a comunidade ficou dividida, precisamente naquilo que mais a devia unir: a Eucaristia. Daí Paulo ter reagido tão duramente.
• a reacção de Paulo está expressa nas palavras que, em assembleia plenária, dirigiu a Pedro: ao retirar-se e separar-se das celebrações eucarísticas com cristãos não judeus, Pedro estava, na prática, a obrigá-los a submeterem-se às normas das quais o Evangelho os libertara.
Paulo não deve ter convencido a comunidade, senão di-lo-ia. Provavelmente, a cisão tornou-se insustentável, sobretudo por incidir sobre a Eucaristia, o sacramento por excelência da unidade. Daí as decisões adoptadas pelos cristãos não judeus (Act 15,29) na reunião apostólica de Jerusalém: abster-se dos ídolos (de refeições culturais pagãs e de carnes de animais nelas abatidos), do consumo de sangue, dos sufocados (carnes não sangradas) e da fornicação (casamentos entre familiares). Eram os preceitos de Noé (com base em Gn 9,4), considerados válidos para todos e impostas aos estrangeiros residentes na Palestina, para aí poderem conviver com os judeus.
Quanto a Paulo, separado de Pedro e Barnabé, pelo menos temporariamente (1Cor 9,5), partiu com Silas para uma maior expansão do Evangelho entre os gentios. Há males que vêm por bem...
Para Pensar:
Para nós catequistas, Paulo é um paradigma do evangelizador que se encontrou com Cristo e se apaixonou pelo Reino! Reino que é a presença transformante do Espírito que move as profundidades do humano para o aproximar do Pai. Reino que já se encontra na vida e nas mãos de nós catequistas!
Para nós catequistas, Paulo é um paradigma do evangelizador que se encontrou com Cristo e se apaixonou pelo Reino! Reino que é a presença transformante do Espírito que move as profundidades do humano para o aproximar do Pai. Reino que já se encontra na vida e nas mãos de nós catequistas!
Arménio Rodrigues
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